sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Crianças da Cajaíba
As crianças da Cajaíba
Tem a pele de sol
E os olhos de todas as cores do mar
Os cabelos são fios de grãos de areia
Alinhados como miçangas
Com cheiro de maresia
Porte esguio
E movimentos de bicho de água salgada
São guardadas por Iemanjá
Por isso, tão belas
Nos cativam como se fisga um peixe
Passam o dia a brincar de correr, de contar segredos, de perguntar o porquê
Mas ninguém diz a elas
O porquê da areia, do brilho do sol e do vai e vem das ondas
Ninguém chega e conta um história,
Traduz o mundo e o compartilha
Essas crianças que vão vivendo de existir
Descobrem o mundo num jogo de tentativa e erro
E nada é errado nessa terra onde descansa o homem branco.
** Pouso do Cajaíba é uma comunidade de pescadores do município de Paraty (RJ). Cajaíba, em tupi, é o nome que os índios da região utilizavam para se referir aos brancos europeus.
dezembro de 2009
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
Lia
Tinha essa vontade de pertencer.
Por isso se enroscava nas franjas da rede, se oferecia para o vento e se deixava engolir pelo mar.
Enquanto as outras só queriam um jeito de sair dali, seu sonho era morar dentro de um abraço. Braços de quem fosse.
Ele costumava comparar os pés da moça a um diário, em que se registravam os dias com areia quente, raízes saltadas e pedras pontudas.
A escrita era involuntária. Ela nem sabia ler.
Ele já a lia com fluência de língua nativa.
Um rascunho de romance de Jorge Amado, cuja autoria desejou que fosse sua.
*texto escrito com base na fotografia de Carolina Tibério.
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Minotauro
"É da minha altura, nota?
Nem menos nem mais.
E não diga não saber dançar,
O corpo move-se por instinto."
Eu a fico vendo girar, girar até - por acidente - descobrir o labirinto.
Assisto seus olhos míopes e percebo que chegou ao centro.
Ela se surpreende.
Encontra não mais o Minotauro.
É apenas um homem.
terça-feira, 24 de agosto de 2010
lava e fumaça
terça-feira, 17 de agosto de 2010
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Qual o tom?
- Estou pronta. Me dê um tom.
- Dó menor.
- Esperava já.
- O quê?
- Você, com essas questões depressivas.
- Ah, vá! Não acredito que vai me analisar até na nota que escolho!
- É, ué. Além de dó, coisa que sei bem ter por si mesmo, ainda escolhe um tom triste desses.
- Vem cá. Você é o quê? Iluminada? A descobridora da felicidade? Ridícula, viu...
- Pelo menos não me gabo por ser um poço de melancolia.
- Mas exibe essa esperança constante e impenetrável que, sinceramente, é impossível de se ter.
- Pura idealização sua. Você é cheio dessas de imaginar as pessoas como a salvação da sua condição, que julga tão miserável.
- Queria que escolhesse Sol Maior?
- Não. Isso é o que achou que eu seria pra você.
- E se achei? Agora acho que é só espectro.
- Erro. Somos tão somente Ré - ou réus, variando entre maior e menor toda vida.
domingo, 8 de agosto de 2010
Origem da música
Num dia desses de frio, a menina foi à janela procurando calor.
Debruçou-se, e ao pender a cabeça para baixo sentiu a boca estufar-se de palavras até ficar com bochechas de trompetista.
Soprou-as contra o vento ao não conseguir mais segurar.
Foram voando, combinando-se entre si, a formar outras palavras.
A M O R M O I F
D O D N
O E S E J O U E M O
T M D T Ã C
N A A N
P A S S O N H O J E
C Z I M Á V
Tão logo as sentiu, o vento encantou-se e com elas foi brincar.
A brincadeira começou a ficar tão boa que a menina, vendo tudo aquilo, tomou um susto e puxou todo aquele ar pra dentro de si.
O coração começou a disparar, o vento a assobiar e as letras a cantar.
Foi assim que descobriu a música.
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Sensível
Ao tocar um caule sabe a direção do fluxo da seiva. Pelo pulso de uma mulher sabe se a quer ou não.
Distingue cores pela energia que irradiam e tira fotos incríveis na percepção do movimento.
Reconhece o ano do vinho pelo seu sabor, a personalidade de alguém pelo som dos seus passos e em quem confiar pelas variações do tom de voz.
Falta a ele um dos sentidos. Sabendo disso, é mais sensível que todos nós.
domingo, 25 de julho de 2010
Luna
Principia como ausência, vazio.
Apenas expectativa e projeção.
Em seu marsúpio celeste,
Vem com a promessa do novo.
...
Surge como filete, sorriso maroto
De quem tira sarro de tudo.
Ainda é moleca,
Daquelas que não querem crescer.
...
Conforme toma corpo e se desnuda
Descobre a si mesma.
Passa a ter a sede da menina
Com desejo de tornar-se mulher.
...
Madura, plena, completa,
É também segura de ser.
No auge da beleza e brilho,
Conhece o poder que exerce.
...
Tão logo míngua
Adquire sabedoria.
Doa sua matéria e vivência
Sem mais ânsia de ganhar.
...
Aceita sua mortalidade
Com a mesma graça de criança.
Despede-se serena
Na certeza do recomeço.
quarta-feira, 26 de maio de 2010
Banana
Todos os dias ele come banana no café da manhã
E não vê a menor graça.
Afinal, todo brasileiro, se não come,
Poderia comer uma banana.
Nem que seja sobra da feira.
Ele não tira da cabeça
O tal omelete com bacon dos norte-americanos
E o croissant francês.
Nutricionistas dizem ser a banana
Um dos alimentos mais completos
Tem vitaminas A, C, fibras e potássio
Ignorando, só lamenta:
Banana todo dia?
Que chatice!
Mas tem gente que reinventa
E com a banana que todo mundo come
Faz uma coisa diferente a cada manhã.
Hoje, banana pura
Amanhã, banana amassada com granola
Depois, bacana picada com mel
sexta-feira, 7 de maio de 2010
Arrumando o armário
Abre a porta e o que vê são tecidos e cores embaralhados.
Por onde começar?
Na desordem, o início pode ser qualquer lugar.
Vestidos. Não adianta saudosismo. O que foi do verão não faz mais sentido no outono.
Vai, coragem! Dobre um por um, mesmo que com certa dor.
Coloque em algumas sacolas e feche no armário do alto.
Guarde na memória.
Pode até ser que precise recorrer a eles depois. Mas não conte com isso.
Algumas peças do verão dá até pra vestir agora. De um modo diferente, com uma meia calça, blusa de manga comprida por baixo... Questão apenas de adaptar.
As calças e agasalhos leves você mantém. São aqueles que continuarão sempre presentes, independente do clima.
Veja, aqui tem umas blusas que você usa desde os quinze anos e ainda lhe servem.
Encontra no cabide aquela calça verde bandeira. Já não cabe e nem é mais seu estilo.
Mas ela mostra tanto quem você já foi! Deixe ela lá só pra te lembrar.
Traz pra baixo os agasalhos mais pesados. Nada familiares. A princípio desconfortáveis.
Mas você sabe que serão necessários e que um dia até lhes será grata.
O que faz essa saia aqui? Não combina, está desbotada, te deixa feia. Permanece só pelo costume de ficar? Tire daí! Liberte-se.
Essa camiseta tem uma manchinha que compensa tentar tirar. Quem não tem suas máculas, certo?
Mas algumas estão com manchas que dominam tudo. Aí não tem mais como. A solução é mesmo se desfazer.
Por fim, o negócio é ficar com aquelas roupas que lhe servem e valorizam o melhor de você.
Fique com o que você quer do armário e não com aquilo que simplesmente está lá.
Sei, há resistência. Há apego.
Mas sem essa de ficar com algo para “no caso de...”.
Mantenha somente o que quer e precisa agora. Afinal, não há outro momento.
Arrume o armário sem parar pra pensar. O instinto é que é sábio.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Pedestal
Mas busca uma mulher para admirar.
Deseja adorá-la como a algo divino,
Fazer dela sua religião,
Meditar observando-a dormir.
De tanto que idealiza, frustra-se.
Ainda não sabe que o amor carece de imperfeição.
segunda-feira, 26 de abril de 2010
Coca-cola com cereja
Sei que agora é a última vez que sentirei o gosto de coca-cola com cereja desse meu batom (já que resta dele apenas um milímetro) e lambuzo minha boca inteira com esse restinho, me deliciando.
Sinto a aspereza do plástico que se pronuncia, delimitando o espaço em que antes se erguia um cone vermelho.
Fricciono os lábios, deixando que escorreguem um no outro com prazer.
Sinto o seu aroma e seu sabor divertido.
Assim me despeço.
segunda-feira, 12 de abril de 2010
Silêncio
Quando era menina, morria de medo do silêncio compartilhado. Sabe? Aquele que aparece quando duas pessoas não têm ou não sabem o que falar ou (descobri mais tarde) simplesmente não acham que se expressar verbalmente seja necessário.
Dava um constrangimento louco, uma vontade de sumir, de sair correndo. Eu chegava até a evitar situações em que poderia ficar sozinha com alguém, por medo de isso acabar acontecendo.
Bem, cresci. E acho que junto do processo de amadurecimento passei a gostar cada vez mais do silêncio. Mesmo do compartilhado. Ou principalmente dele.
Dizem que o silêncio é o que chega mais próximo da manifestação de Deus. Tenho de concordar.
Quando pessoas têm entre si apenas a ausência de som (incluindo o barulho mental) é o sentimento de comunhão que surge. E elas se ligam no laço mais intenso que pode existir.
domingo, 28 de março de 2010
Liberdade
Se costuma pensar que liberdade é ter uma porção de opções. A liberdade de escolha diante de várias possibilidades.
Mas liberdade mesmo é quando não há necessidade de se fazer escolhas. É quando há uma única coisa a ser feita e você, com total consciência, se entrega a ela sem pestanejar.
Isso é o estado de presença.
Nele tudo aparece muito claro e óbvio. Nele tudo que existe, simplesmente é. Nele não há dúvida, remorso, saudade ou previsão.
Só há certeza e paz.
sexta-feira, 19 de março de 2010
Dezesseis
Aos 16 ela era apaixonada por tudo. E também por um garoto da outra classe. Ele a encantava por sua inteligência, seu mistério, sua cultura, seu jeito amigo e a segurança que passava.
Tornou-se sua amiga para ver se assim ganhava os abraços dele. Uma vez abraçada, sentia-se tão protegida e confortável, que de lá não fazia sentido sair nunca mais.
Começaram a ficar próximos, conversando por telefone e computador, um descobrindo a vida do outro aos poucos. Mas para ela aquilo estava sendo um tormento. Cada vez mais fixa a idéia de lhe contar o que sentia, decidiu fazê-lo na festa de uma colega de turma, onde sabia que ele estaria presente.
Estava com o vestido mais lindo que encontrou: um lilás manchado, cor de fim de pôr do sol. No meio da festa o viu. Aproximou-se e iniciou timidamente a fala que havia ensaiado.
Mas ele não deixou que ela terminasse, nem que chegasse a dizer com um mínimo de clareza o que tanto queria. Ele disse que precisava ir embora e desapareceu.
Foi então que começaram as lágrimas e a produção intensa de poesias de amor, mas desgostosas, sofridas. Ela fazia questão de mostrá-las ao professor de literatura, que a incentivava.
Chegaram as férias de janeiro e viajou para a casa de sua avó em Minas. Entre baladas de violão na praça e festas nas casas dos amigos, conheceu um rapaz alguns anos mais velho, com quem de cara se identificou. Conversavam por horas os assuntos mais deliciosos, escreviam juntos e compartilhavam a beleza de tudo.
Pena tê-lo conhecido já no fim das férias. Mantiveram contato por computador, telefone e cartas. Ele era romântico, a chamava de “Ma Belle” e ela se derretia. Dizia ter descoberto o homem mais especial que existira e que com ele iria se casar. Não sei se falava a sério ou não.
Voltaram as aulas e, mesmo decidida a nunca mais pensar naquele garoto, isso era algo que não se conseguia muito evitar. Ainda porque agora estavam na mesma classe.
Esse foi o semestre em que teve a sua primeira banda predileta. No seu rádio só variavam os discos “Bloco do Eu Sozinho” e “Ventura”. Foi em todos os shows que a banda fez em turnê na sua cidade, sempre junto a um grupo do qual ele também fazia parte. E isso os acabou aproximando de novo.
Um dia se fez passar por seu primo na internet e conversou com o garoto. Acabou tirando a informação que precisava: ele gostava dela! Foi assim que a menina não sossegou enquanto eles não estivessem juntos.
Depois de muita conversa, choro, dezenas de poesias e o coração ansioso, se encontraram em baixo de uma árvore com luz de lua cheia e o céu enevoado no dia 31 de julho de 2004.
Falaram de seus sentimentos e vontades e por fim juntaram suas escovas de dente.
* ilustração de Natália Lemos.
terça-feira, 9 de março de 2010
Sebo Livros - Rua Joaquim Nabuco, 410
O gato move-se logo atrás do seu dono, adentrando a loja.
O chão da calçada que acaba de deixar é de lajotas arredondadas, algumas em desalinho com relação às outras e um pouco levantadas por efeito do tempo.
Lá Franz pôs dois bancos de concreto, um em frente ao outro, para que ele e seus compadres pudessem conversar.
Há algumas semanas a prefeitura chegou e pediu que ele retirasse um dos bancos e pusesse ao lado do outro, para que os pedestres não se sentissem constrangidos ao passar por ali.
Achei uma pena. Ver os senhores prozeando era sempre muito gostoso. Dava a sensação de estar na praça de uma cidade pequena, apenas sentindo a vida passar.
Há um conjunto de arcos unidos formando um caramanchão entre o sebo e o término da calçada.
Ao passar por ele, todo coberto de trepadeiras, é como passar por um portal que transporta para um lugar sem tempo nem problemas.
O número da casa é 410, grafado com tinta azul marinho em azulejos coloridos de azul e amarelo.
Ao lado esquerdo da porta fica uma placa oval de madeira onde foi talhado o nome do estabelecimento: Sebo Livros. Nome que combina com a simplicidade e o “ser, em vez de apenas querer ser” daquele local.
Em outro plano, acima dos azulejos e abaixo da calha, há uma pequena placa retangular de metal que diz "tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Há plantas em vasos, com flores roxas, rosas e lilases em degradê, e árvores, muitas vezes visitadas por macacos, delimitando o espaço.
Franz mora em uma casa de madeira construída em cima do sebo. Ela tem seis janelinhas quadradas que sempre vejo abertas.
Ele é uma pessoa muito agradável, daquelas que faz com que você se sinta em casa só de estar em sua presença.
Vegetariano, ambientalista, culto, simpático e bom.
Um dia fui até lá comprar um livro de presente para um amigo. Já sabia qual queria e logo ao entrar o encontrei sozinho em cima de uma mesa. Achei curioso. Mas era de se esperar de um lugar tão mágico que os livros já se pusessem à disposição dos interessados por eles ou, quem sabe, escolhessem aqueles com quem gostariam de estar.
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Desenho
Me dê um papel bem grande (pode ser um A3).
Fico sem saber o que fazer!
Pra que tanta superfície se o meu desenho é pequeno, se quero pouco mesmo...
Pouca área, eu digo. O que pode surgir de um pedacinho de papel nunca será pouco, desde que feito com inteireza.
Cada traço meu é um prolongamento de mim. Eu conduzida pelo tubo da caneta bic e sendo grafada das mais diversas formas.
Em um menino, um pé, um mapa da rede ferroviária, lá estou.
Eu e tudo de que me alimento: o tempo, as pessoas, os lugares, as cores, a música, os gostos, o teatro, as palavras e o nariz vermelho.
Já uso direto a caneta porque a borracha me é proibida.
Até prefiro assim.
Mais semelhante à vida.
*Homenagem à amiga Nat Lemos.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Amor, não paixão.
Quando a gente se apaixona, gosta mesmo da pessoa ou da sensação de gostar?
Ando percebendo...Mesmo que aquela paixão toda já tenha ido e que a pessoa em si não faça mais falta, resta a saudade dos calafrios, do coração disparado.
E para isso acontecer... Essa tal de paixão. O que a suscita? Pode ser uma curiosidade, um mistério, uma dificuldade de acesso. A promessa de que aquela pessoa será a solução para algo de incompleto na sua vida. Ou ainda melhor, o achar que alguém lá fora é o resultado da sua busca, a peça que dá o encaixe perfeito para que você se sinta inteiro.
Vejo o quanto isso é falho. Para existir esse sentimento, é necessário projetar, criar uma representação virtual de alguém, que nunca corresponderá ao que é de verdade.
Acaba-se elevando o objeto de paixão a um patamar de contemplação, para onde se olha de baixo.
A sua completude depende tão somente de você e nada externo o fará maior se não houver interação, troca. É algo que só pode ocorrer olhando o outro de frente, na mesma altura.
Por isso minha escolha agora é a de amar, não me apaixonar.
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Inesperado
Uma flor no concreto.
Um gato no molhado.
Um sorriso largo, aberto.
Um beijo roubado.
Uma rua quieta.
O inesperado!
Pausa.
Adormece o pensamento,
Desperta para o agora,
Abre os sentidos.
Então você passa a ver uma placa que sempre esteve em seu caminho;
Reconhece o perfume de verbena que ela usa desde os dezesseis;
Enfim entende aquela música que ouve todos os dias;
Distingue o gosto de coentro no tradicional tempero do peixe assado;
E valoriza o carinho dos dedos em seus cabelos.
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Nada menos que tudo
.
.
.
E depois mais um pouco.
Para algo ir se completando
P a u l a t i n a m e n t e
Não funciono por cotas.
Aliás, tenho até alergia.
{cotas de tempo}
{cotas de informação}
{cotas de intimidade}
Conquistadas como bônus das fases de um vídeo-game.
Não me venha com quantificações.
Os únicos números que entendo
São o zero 0 e o um 1.
O nada e o todo.
Eu desejo por inteiro
Que cada célula da minha pele
Entre em contato com cada célula da sua
E elas reajam quimicamente
Até formarem um único composto.
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010
Evolução plural
As pessoas passam a conhecer melhor a si próprias, percebendo seus limites, reações, sentimentos e pensamentos. Também conhecem o outro, tendo a oportunidade de, na convivência, aprender a respeitá-lo e aceitá-lo.
Nos meus relacionamentos venho descobrindo muito sobre mim e meus mecanismos de ação, sendo oferecida a chance de revê-los e modificá-los.
Eu sinto estar cada vez mais perto de quem eu realmente sou, da essência.
Devo isso às pessoas que vem passando e ficando na minha vida.
*Em sânscrito, Satya é Verdade e Sangha, nós. Satsang é um encontro de pessoas em busca de um mergulho mais profundo na Verdade, geralmente conduzido por mestres espirituais.
**Prem Baba é um mestre espiritual yogue (http://www.prembaba.org.br/)
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
Peito adentro
Quando sinto saudades ou estou apaixonada, recebo fisgadas no peito, pequenos e constantes beliscões de um querubim sapeca.
Quando estou alegre ou amando é como um sol dentro de mim, dominando e esquentando o peito até subir pela garganta e deixar escapar seus raios por meus olhos e dentes.
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Coração inquebrável
Olhando de fora, ninguém diz.
Membrana finíssima, pulsação forte que aparenta quase rasgá-la.
Pequeno e de aspecto frágil, cabe na palma da mão.
Mas é bravo, corajoso.
Não hesita, vai!
É ele quem dá as ordens, dita as regras.
Cabe a mim obedecer.
Quem o conhece, acha que volta de cada missão todo estrupiado, ferido de guerra.
Mas não.
Resiliente, esse coração - mesmo que atingido - sai da batalha ainda mais forte.
Na certeza de ter feito tudo o que podia.
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Marte e Vênus
Toda noite ela se banha com cuidado e hidrata sua pele com loção de aroma doce.
Todas as manhãs demora ao se arrumar, prestando atenção em cada detalhe.
Antes de dormir, lê seu livro de cabeceira, para deixar sua mente mais alimentada.
Ao longo do dia preocupa-se em cuidar do corpo ingerindo refeições saudáveis e praticando exercícios.
Quem sabe eles não se encontram por acaso, assim, na rua?
Quem sabe ele não a convida para sair?
Quem sabe ela não consegue fazer uma surpresa e dá certo?
Quem a vê são os passageiros do ônibus, que muitas vezes voltam-se, curiosos,
Os profissionais da construção que se ocupam emitindo sons agudos,
Seus colegas de trabalho e amigos que proferem tímidos galanteios.
Distraidamente, ele segue na ignorância.
Ansiosamente, ela segue na expectativa.
segunda-feira, 18 de janeiro de 2010
Do alto
Debruça-se na janela tentando encontrá-la.
Canta ao vento alguns versos repetidamente e cala, ao esperar eco.
Mas a música cessa.
Passa então a reparar na São Paulo do alto.
Nos telhados, em como se unem as telhas, nas marcações de trânsito no asfalto.
Presta atenção no movimento dos guarda-chuvas, de diversas estampas e cores.
A cidade está úmida, colorida e dançante, como nos musicais.
Cena
Mulher negra, uns 50 anos, cabelos amarrados com enfeites de cor chamativa, altura média (em torno de um metro e sessenta), corpo bem farto de carne, coluna levemente arqueada para frente.
O rosto não pôde ser visto. Esteve todo o tempo voltado para uma única casa daquela rua.
Alguns longos minutos deve ter ficado lá, com os olhos fixos.
Eis que pinça de um recipiente em sua bolsa um punhado de não-se-sabe-o-quê e o espalha uniformemente na calçada da frente com lançamentos leves e cuidadosos.
Sua intenção parece ser de semear e fazer brotar algo naquele concreto verde.
Pára e olha com atenção o trabalho feito.
Distancia-se um pouco. Faz que vai, não vai.
Atravessa a rua e sai da cena.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Desconstrução
Lembro do meu pai dizendo ser típico das crianças, na ânsia de descobrir o mundo, abrir os objetos ao meio, para saber o que há dentro.
Desparafusar um rádio para saber as peças que o compõe, por onde se ligam, para fazer o que?
Ao ver uma flor, chego bem perto, conto suas pétalas, suas várias partes, observo a sua disposição geométrica, com olhos de cientista.
Faço o mesmo com as pessoas.
Gosto de lhes fazer perguntas e criar condições que as façam se expor, ser transparentes.
É assim que conheço o mundo.
Luz e sombra
Presente e ausente.
Não sendo único feixe de luz,
O que se vê são sombras de diferentes ângulos e intensidades.
Num mundo de imagens, que permanece Caverna de Platão,
Só o que se tem são as representações,
Variações de sombra.
Que tal quebrar a corrente que te prende e chegar perto?
Cheirar, tocar, ouvir, sentir.
Viver o mundo em vez de apenas vê-lo
Estar ali, presente, para tudo.
Agente, não espectador.
Da música saem partículas de energia que você pode consumir.
Da cor, de tudo que existe.
Já que tudo tem história, soma experiências,
Sofre transformações.
Nós não somos apenas nós
Somos tudo isso.
Somos vida, e não um pedaço dela.
Metonímia. A parte que é todo.
Assim se pode reconhecer em tudo e também amar a tudo.
Desse jeito que entendo Deus.
Como esse amor, essa comunhão.
A luz que ilumina plenamente por todos os ângulos, sem deixar sombras, sem deixar dúvidas.
Fazendo com que enxerguemos apenas o que é a verdade.