sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Peito adentro

Quando me sinto em paz, sinto o peito todo preenchido, tomado do ar mais puro e de silêncio.

Quando sinto saudades ou estou apaixonada, recebo fisgadas no peito, pequenos e constantes beliscões de um querubim sapeca.

Quando estou alegre ou amando é como um sol dentro de mim, dominando e esquentando o peito até subir pela garganta e deixar escapar seus raios por meus olhos e dentes.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Coração inquebrável

Eu tenho um coração inquebrável.

Olhando de fora, ninguém diz.
Membrana finíssima, pulsação forte que aparenta quase rasgá-la.
Pequeno e de aspecto frágil, cabe na palma da mão.

Mas é bravo, corajoso.
Não hesita, vai!

É ele quem dá as ordens, dita as regras.
Cabe a mim obedecer.

Quem o conhece, acha que volta de cada missão todo estrupiado, ferido de guerra.

Mas não.

Resiliente, esse coração - mesmo que atingido - sai da batalha ainda mais forte.
Na certeza de ter feito tudo o que podia.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Marte e Vênus

Toda noite ela se banha com cuidado e hidrata sua pele com loção de aroma doce.
Todas as manhãs demora ao se arrumar, prestando atenção em cada detalhe.

Antes de dormir, lê seu livro de cabeceira, para deixar sua mente mais alimentada.
Ao longo do dia preocupa-se em cuidar do corpo ingerindo refeições saudáveis e praticando exercícios.

Quem sabe eles não se encontram por acaso, assim, na rua?
Quem sabe ele não a convida para sair?
Quem sabe ela não consegue fazer uma surpresa e dá certo?

Quem a vê são os passageiros do ônibus, que muitas vezes voltam-se, curiosos,
Os profissionais da construção que se ocupam emitindo sons agudos,
Seus colegas de trabalho e amigos que proferem tímidos galanteios.

Distraidamente, ele segue na ignorância.
Ansiosamente, ela segue na expectativa.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Do alto

Ela ouve uma melodia familiar e passa a procurar a origem do som nos quartos, banheiro, cozinha, na sala.
Debruça-se na janela tentando encontrá-la.
Canta ao vento alguns versos repetidamente e cala, ao esperar eco.
Mas a música cessa.
Passa então a reparar na São Paulo do alto.
Nos telhados, em como se unem as telhas, nas marcações de trânsito no asfalto.
Presta atenção no movimento dos guarda-chuvas, de diversas estampas e cores.
A cidade está úmida, colorida e dançante, como nos musicais.

Cena

No palco, calçada de rua residencial, ela vê surgir um personagem.

Mulher negra, uns 50 anos, cabelos amarrados com enfeites de cor chamativa, altura média (em torno de um metro e sessenta), corpo bem farto de carne, coluna levemente arqueada para frente.
O rosto não pôde ser visto. Esteve todo o tempo voltado para uma única casa daquela rua.
Alguns longos minutos deve ter ficado lá, com os olhos fixos.
Eis que pinça de um recipiente em sua bolsa um punhado de não-se-sabe-o-quê e o espalha uniformemente na calçada da frente com lançamentos leves e cuidadosos.
Sua intenção parece ser de semear e fazer brotar algo naquele concreto verde.
Pára e olha com atenção o trabalho feito.
Distancia-se um pouco. Faz que vai, não vai.
Atravessa a rua e sai da cena.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Desconstrução

Causa fascínio isso de desconstruir as coisas.

Lembro do meu pai dizendo ser típico das crianças, na ânsia de descobrir o mundo, abrir os objetos ao meio, para saber o que há dentro.

Desparafusar um rádio para saber as peças que o compõe, por onde se ligam, para fazer o que?

Ao ver uma flor, chego bem perto, conto suas pétalas, suas várias partes, observo a sua disposição geométrica, com olhos de cientista.

Faço o mesmo com as pessoas.

Gosto de lhes fazer perguntas e criar condições que as façam se expor, ser transparentes.

É assim que conheço o mundo.

Luz e sombra

A imagem se faz de luz e sombra,
Presente e ausente.

Não sendo único feixe de luz,
O que se vê são sombras de diferentes ângulos e intensidades.

Num mundo de imagens, que permanece Caverna de Platão,
Só o que se tem são as representações,
Variações de sombra.

Que tal quebrar a corrente que te prende e chegar perto?

Cheirar, tocar, ouvir, sentir.

Viver o mundo em vez de apenas vê-lo
Estar ali, presente, para tudo.
Agente, não espectador.

Da música saem partículas de energia que você pode consumir.
Da cor, de tudo que existe.
Já que tudo tem história, soma experiências,
Sofre transformações.

Nós não somos apenas nós
Somos tudo isso.

Somos vida, e não um pedaço dela.
Metonímia. A parte que é todo.
Assim se pode reconhecer em tudo e também amar a tudo.

Desse jeito que entendo Deus.
Como esse amor, essa comunhão.
A luz que ilumina plenamente por todos os ângulos, sem deixar sombras, sem deixar dúvidas.
Fazendo com que enxerguemos apenas o que é a verdade.