terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Onironautas

Adormeço e acordo em sonho.

Rua nublada e escura, música intrigante. Tenho medo, mas acho que é justamente o que quero sentir. Esse desconforto me dá prazer.

Lá há um rapaz. De certo modo o conheço e ele a mim.
Andamos na garoa sem rumo, sem tempo. Olhando um ao outro, as luzes, os fios, as carroças e as pessoas camufladas.

Nos damos as mãos e abrimos o peito, enxergando tudo o que existe dentro.
Não há surpresa. É como Adão e Eva ainda no Paraíso. Um só.

Ao nos separarmos (nos fazermos dois), desperto da viagem onírica.
E meus olhos assustados me delatam.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Madrugada

- Acho que o sonho de todos é de ser um só, não? Se fundir. Encontrar aquela completude que se perdeu ao se perder o Paraíso.

- Paraíso de que? Se você não me entende e nem sequer entende você. Talvez o Paraíso seja só um tipo de querer.

- Com isso só percebo que o Paraíso não está em nós. Mas eu ainda quero isso. E acho que sou capaz de conseguir. Porque deposita a culpa toda em mim? Não somos dois?

- Sim, somos dois, dois querendo ser um, um que não admite ser dois. Mas o Paraíso não está em nós, vem, senta. Sente. É tudo isso, acho que é tudo isso que se sente. Você sente?

- (Ri de nervoso) Sinto. Mas eu sinto demais. E me embaralho nessa enxurrada toda de sentimentos. De desejo, de negação, de querer e não saber o que se passa do outro lado. O que VOCÊ sente? O que você diz pra mim é mesmo o que você pensa?

- Penso e digo, as vezes digo sem pensar, e então penso que não deveria ter dito. Mas talvez não me preocupe tanto com o que se passa do outro lado, apenas deixo passar, já não tenho pressa, aprendi a ser tranquilo, e a deixar passar aproveitando os passos que vem dai, e os que vem daqui.

- Não tenho a mesma sorte. Tenho pressa. E tenho medo. Medo de que seja você, medo de que não seja. Se for você, me angustia isso de não nos encaixarmos, de não cantarmos no mesmo tom. Se não for você, quem então? Só aprendi a amar você. Como partir agora de uma tela em branco, a ser rabiscada, se já tenho um quadro denso de cores e expressão?

- Não sei minha flor, e como somos um não sabemos nós. Nem sabemos de nós, mas vem cá. Senta. Sente. Você pode me dar a mão até o medo passar, se for eu, já estaremos de mãos dadas. Mas agora não é mais hora. Fico de mãos dadas até você dormir, depois vou embora, e nos vemos uma outra hora, vou pra casa torcendo pra que essa hora não seja tão longe de agora.

* parceria com Thiago Botana

Ainda falta

Gostava de descobrir seus fios vermelhos no meu corpo quando eu me despia;
Gostava de ter a minha mão na sua enquanto dirigia;
Gostava de passar um tempão olhando para seus olhos cor de coca-cola e para o seu nariz perfeito, em formato de trapézio;
Gostava de o ver tímido por isso.
Gostava da segurança que me trazia
E achava impossível viver sem ele.

Um dia percebi que podia.
Não me vi mais transtornada ao pensar na minha vida sozinha. Até simpatizei.

Gosto de olhar as luzes da cidade à noite, me sentir protagonista dessa peça;
Gosto de tomar chuva, e pode ser até todos os vários dias desse verão encharcado;
Gosto de correr, assim como as crianças pequenas, com o sentimento de ir alcançar algo além;
Gosto de andar devagar e perceber todo o mundo à volta, os detalhes e o escancarado;
Gosto de conhecer pessoas, coisa mais preciosa que há.

Eu gosto é de viver.

Mas me anda faltando algo.
Aquele sentimento do equilibrista. Do bambo. Do incerto.


Estou louca para me apaixonar de novo.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Everything is illuminated

O prazer está na geração de vida, de movimento.
Conceber uma idéia é prazer, seu desenrolar é prazer, sua conseqüência é prazer.
Acho uma delícia ser mulher. Símbolo da criação.
Mulher-planta. Emociona ver um novo botão de flor, uma folha crescendo.
Sinto ser Amarylis, a flor em abertura máxima, pétalas vigorosas, vermelhas, excitantes; pistilo firme e receptivo.
Eu sou. Eu sou agora. Não o resultado matemático da somatória de tudo o que passei, nem algo a se completar no futuro.
Sinto poder tudo.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Coração inflado

Bexiga vermelha sem limite de expansão. Às vezes o gás escapa e condensa-se em líquido. Sai pelos olhos.

Alimenta-se de:

- Raios tímidos de sol entre nuvens / raios desinibidos de céu escancarado
- Respiração de todos os homens, mulheres, plantas e animais
- Vibração das cores e do celular ao receber uma mensagem amiga
- Ranger das bicicletas passantes e da escada de madeira da casa de uma tia querida
- Suor dos corredores das ruas / suor depois de dançar a noite inteira
- Cheiro de flor e de feijão
- Gostar do que se faz todos os dias
- Rabo de cachorro balançando à espera de um carinho
- Carinho dos amigos, se sentir querida por eles, olhares que se entendem
- Carinho da família
- Cafunés, apertos, beijos, abraços, colo (dar e receber)
- Conquistas profissionais, amorosas, amicais, interiores
- Tomar banho no escuro
- Dividir experiências, comida, cadeira, roupa, cama
- Cantar, cantar, cantar
- Encontrar deus em você, se amar, amar a tudo
- Ser verdadeiramente útil a alguém (ou a várias pessoas)
- Respirar
- Agradar o corpo, respeitá-lo, desenvolvê-lo, alongá-lo
- Ler, ler, ler
- Conhecer pessoas, lugares, histórias, tudo que é conhecível
- Escrever
- Música (intencional ou não), fazer música, ser música
- Dedicação
- Concentração
- Saber que se é feliz agora
- Risos, gargalhadas, sorrisos
- Botão, de flor ou de camisa
- Fruto, de árvore ou da sua criatividade
- Folha, de planta ou de papel
- Intensidade, densidade
- Leveza
- Verdade
- Honestidade
- Confiança

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

à caneta

Quando penso em escrever, aponto o lápis mais macio até deixar sua ponta bem fina.

A caligrafia deve ser leve, bonita, redonda, na tentativa de influenciar o conteúdo que transporta.

Eu gosto tanto de grafite, acho que por poder apagar, não deixar vestígios.

Agora noto que assim levo a vida.

Acostumei a escrevê-la a lápis, contando com a chance de depois apagar e reescrever. Ela, tolerante comigo, fez com que assim fosse.

Mas o belo que vem da leveza não basta, não compensa.

É preciso densidade. São necessárias as marcas.

Em uma vida pra valer, “só pode à caneta”. Lembro da professora dizendo isso em dia de prova e do quanto eu não gostava.

Não prometo mudar o gosto. Meu fascínio permanece pelas coisas fugazes, de que me desfaço sem sofrer.

Posso passar a escrever com grafite só por hobby, mas usando tinta para os textos da vida.

sábado, 24 de outubro de 2009

Tudo azul

Quando eu tinha uns 10 anos fui comprar calcinhas e sutiã (acredito que o primeiro - ainda sem utilidade, já que não havia nada para segurar) com minha mãe. Depois, quando chegamos em casa, fui fazer o costumeiro desfile com as compras, coisa que as garotas tendem a gostar de fazer.

Quando apareci na sala com uma calcinha e um sutiã azuis, minha mãe disse: "olhe só, tudo azul, tout bleu".

Agora, ao escolher o nome para este blog, me recordei dessa cena, que une um sentimento gostoso da infância com o que sinto na fase adulta, um azul que me preenche por inteira.