terça-feira, 18 de janeiro de 2011
Degustação de domingo
Em seguida a um desentendimento, saio de casa. O propósito era trocar um par de sapatos, presente recebido em dezembro. Só hoje pude ir à loja e, chegando lá, a notícia de que era da coleção passada. Impossível a troca. Depois de meia hora de trajeto, sem ver graça alguma na tarde que em condições normais muito me agradaria, a negativa só fez intensificar o humor já azedo.
Resolvi parar na praça ao lado do Shopping para ler um pouco do livro que trouxe na sacola. Mal lida uma linha, pego o celular para olhar a lista de contatos, procurando alguém para me fazer companhia. Ninguém perto o bastante para me encontrar rapidamente. Desligo o aparelho e levanto do banco.
Casa das Rosas logo em frente. Talvez algum evento, sarau, exposição... Nada. Mas pela primeira vez vejo de verdade o jardim de rosas que rodeia a casa. Lindo. Vários arcos - por onde sobem trepadeiras floridas - descrevendo um caminho que desemboca em uma estufa. Uma fonte onde três crianças estavam a brincar de se molhar. Carrinhos de bebês, famílias, alguns casais homossexuais, casais de idosos, amigos, pessoas desacompanhadas.
Lá descubro um café muito charmoso. Sou informada pelos funcionários – simpaticíssimos - de que estão prestes a fechar, mas daria tempo para pedir algo. Capuchino gelado e torta de espinafre com ricota. Surpresa com a reabilitação de humor que o lugar me trouxe, volto a ler, aguardando a chegada dos pedidos. Deliciosos, assim como tudo por lá. Penso: quando tiver um namorado irei trazê-lo aqui. Local ideal para se ler, escrever, pensar na vida. Na parte interna do café, grupos de amigos de meia idade discutindo música popular brasileira. Fora, dois homens sozinhos - cada um em sua mesa, alguns colegas de trabalho e eu. Em baixo de um toldo, várias gerações de uma família conversando animadamente. Após prometer voltar ainda muitas vezes, saio e passo a caminhar pela Paulista com o objetivo de chegar ao seu extremo oposto.
Da calçada, pego um lírio amarelo que segue comigo até o fim. Skatistas e patinadores com suas manobras. Em frente ao Parque Trianon, barracas sendo desmontadas e o MASP decorado pela imagem de nuvens bordadas em ponto cruz. Edifícios a me lembrar o quanto da minha vida mora ali. Um rapaz cabeludo de bermuda listrada de azul a me acompanhar por alguns quarteirões.
Chego à Consolação e vejo que a flor caiu pelo caminho. Sobram os brotos. Será que abrirão se eu só colocar na água? Avanço um pouco e um homem que aparentava morar naquela calçada joga com raiva alguns objetos em minha direção. Atravesso a rua e desço uma escadaria.
Rádio ligado, sintonizado na Eldorado: Patrícia Palumbo apresentando o programa “Vozes do Brasil” com Tulipa Ruiz e seu irmão Gustavo. Vou olhando uns livros, cantando, junto, as músicas que tocam, e digo a mim mesma que assim que terminar o programa volto pra casa. Livros incríveis, preço bom, mas só dezessete reais na bolsa. Pego alguns de dezoito pra escolher e barganhar o preço depois.
Decido: Amar, Verbo Intransitivo de Mario de Andrade. Vou comprar e puxo conversa com o responsável pela venda. Pensei que fosse uma coletânea de poemas, mas parece romance... Aqui diz idílio. Sabe o que é? Não sabia. Mas Silas me apresentou tantas coisas, me encantou de tal forma, que isso passou a ter importância alguma. Contou da São Paulo da década de 70, suas transformações, a criação dos filhos, suas crenças e seu modo de viver. Ele está lá – na Passagem Literária da Consolação - todos os dias na parte da tarde. O lugar é (como ouvi de um passante) um oásis cultural. Conhecer aquele senhor, com espírito mais jovem que o meu, foi um verdadeiro presente.
Resolvo voltar pra casa. No caminho para o metrô, um tocador de acordeão talentosíssimo. Fico a escutá-lo e lhe dou os dois reais que restaram na bolsa (Silas acabou fazendo o livro por quinze). Sorri e agradece com um gracejo.
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andradão.
ResponderExcluirdahora.
bom texto, mano.