quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Minotauro

Estendo a mão e ergo a moça em minha frente.

"É da minha altura, nota?
Nem menos nem mais.
E não diga não saber dançar,
O corpo move-se por instinto."

Eu a fico vendo girar, girar até - por acidente - descobrir o labirinto.
Assisto seus olhos míopes e percebo que chegou ao centro.

Ela se surpreende.
Encontra não mais o Minotauro.
É apenas um homem.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

lava e fumaça

Em uma mesma erupção se corre o risco de um receber toda a lava e o outro, apenas fumaça.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Cala

Cala, que eu te escuto.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Qual o tom?


- Estou pronta. Me dê um tom.
- Dó menor.
- Esperava já.
- O quê?
- Você, com essas questões depressivas.
- Ah, vá! Não acredito que vai me analisar até na nota que escolho!
- É, ué. Além de dó, coisa que sei bem ter por si mesmo, ainda escolhe um tom triste desses.
- Vem cá. Você é o quê? Iluminada? A descobridora da felicidade? Ridícula, viu...
- Pelo menos não me gabo por ser um poço de melancolia.
- Mas exibe essa esperança constante e impenetrável que, sinceramente, é impossível de se ter.
- Pura idealização sua. Você é cheio dessas de imaginar as pessoas como a salvação da sua condição, que julga tão miserável.
- Queria que escolhesse Sol Maior?
- Não. Isso é o que achou que eu seria pra você.
- E se achei? Agora acho que é só espectro.
- Erro. Somos tão somente Ré - ou réus, variando entre maior e menor toda vida.

domingo, 8 de agosto de 2010

Origem da música


Num dia desses de frio, a menina foi à janela procurando calor.
Debruçou-se, e ao pender a cabeça para baixo sentiu a boca estufar-se de palavras até ficar com bochechas de trompetista.

Soprou-as contra o vento ao não conseguir mais segurar.
Foram voando, combinando-se entre si, a formar outras palavras.

A M O R M O I F
D O D N
O E S E J O U E M O
T M D T Ã C
N A A N
P A S S O N H O J E
C Z I M Á V

Tão logo as sentiu, o vento encantou-se e com elas foi brincar.

A brincadeira começou a ficar tão boa que a menina, vendo tudo aquilo, tomou um susto e puxou todo aquele ar pra dentro de si.

O coração começou a disparar, o vento a assobiar e as letras a cantar.
Foi assim que descobriu a música.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Sensível

É capaz de ler música nos pontos em relevo do cilindro. Sem girar a manivela da caixinha.

Ao tocar um caule sabe a direção do fluxo da seiva. Pelo pulso de uma mulher sabe se a quer ou não.

Distingue cores pela energia que irradiam e tira fotos incríveis na percepção do movimento.

Reconhece o ano do vinho pelo seu sabor, a personalidade de alguém pelo som dos seus passos e em quem confiar pelas variações do tom de voz.

Falta a ele um dos sentidos. Sabendo disso, é mais sensível que todos nós.